A REGULAÇÃO DA FOME: POR QUE É DIFÍCIL EMAGRECER?

Hilfran Oliveira Nutricionista clínico e esportivo. CRN-3 53579/P

A obesidade é considerada uma doença multifatorial, e que com o passar dos anos vem atingindo cada vez mais a população mundial, sendo considerado um problema de saúde pública. Embora haja um pensamento crescente a cerca da imagem corporal e aceitação, é importante destacar os malefícios do excesso de gordura corporal (peso) traz. É bem documentada a relação entre obesidade e as seguintes doenças: doença coronariana, hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia, diabetes do tipo II, alguns tipos de câncer etc…

O ganho do peso corporal (gordura) sempre será o reflexo de uma ingestão calórica excessiva ao longo de um determinado período de tempo e que pode estar associada a outras desordens, em especial a metabólica. Alguns fatores contribuem para a regulação da fome, como por exemplo, fatores endócrinos, adipocitários, intestinais etc…

FATORES NEURAIS

Para ocorrer o estímulo da fome é necessária uma série de sinais, como por exemplo, o cheiro e/ou a forma de um alimento e isso influenciará diretamente sobre o sistema nervoso central, especialmente no hipotálamo. Quando se trata do hipotálamo, existem dois grupos de neuropeptídios que são os responsáveis pela fome:

  1. Orexígenos (causam apetite): neuropeptídeo Y (NPY) e peptídeo agouti (AgRP).
  2. Anorexígenos (inibem a fome): hormônio estimulador alfa-melanócito (Alfa-MSH) e transcritor relacionado à cocaína e a anfetamina (CART).

Os neurônios que apresentam esses neuropeptídios interagem (e sofrem regulação) com sinais periféricos (insulina, leptina, grelina, glicocorticoides). Um achado bastante comum no paciente obeso é a resistência à insulina que leva hiperglicemia, e esse estado afeta a estrutura e função do hipotálamo, prejudicando como ele se comunica (sinapse). Embora não seja o objetivo desse artigo, não é possível deixar de notar influencia da insulina sobre o cérebro (sugiro as pesquisas sobre o “diabetes do tipo 3”). Quando a insulina consegue exercer sua função adequadamente no cérebro ela é capaz de fazer as seguintes ações: neurotrófica, neuroendócrina e neuromodulatória. E uma ação que merece destaque é a sua capacidade de participar sobre a plasticidade sináptica, ou seja, melhorar a comunicação entre neurônios.

FATORES ENDÓCRINOS E ADIPOCITÁRIOS

Quando se trata da regulação energética dois hormônios se destacam: 1) insulina 2) leptina.

A leptina é produzida em proporção ao tecido adiposo, com isso já é fácil imaginar que o paciente obeso (por exemplo) tenha bastante desse hormônio circulando. Quando há um excesso na circulação existe uma saturação dos receptores no hipotálamo, fazendo com que seu efeito anoréxico (inibidor da fome) e aumento da termogênese, estejam diminuídos.

A insulina é produzida pelas células betas do pâncreas, sendo ela uma resposta aos níveis glicêmicos (açúcar) no sangue, e a quantidade de tecido adiposo também influencia sua concentração (fazendo com que mais insulina seja liberada, preditor da resistência à insulina). Ela apresenta efeito anabólico sobre o tecido muscular e adiposo (lipogênese), isso ocorre por “levar” a glicose e os outros nutrientes para dentro da célula. A queda nos níveis de glicose, especialmente se ocorrer de maneira rápida, torna-se um estímulo para o apetite, e manter os níveis o mais estável possível tende a evitar esses períodos, que são mais conhecidos como períodos de compulsão alimentar.

Quando esses dois hormônios conseguem atuar de maneira eficiente nos receptores do hipotálamo, há uma atividade em conjunto que visa minimizar o efeito de uma alta ingesta calórica. Vale salientar que essa regulação ocorre sempre, e o corpo entende que o peso que você está é o “adequado”. Quando se diminui o percentual de gordura os níveis de leptina e insulina começam a cair, e com isso é de se esperar o aumento da fome. Esses episódios de fome podem ocorrer por dois motivos: 1) restrição calórica durante muitas semanas 2) dietas com calorias extremamente baixas. Para evitar esse empecilho é necessário que a regulação calórica seja feita de modo a evitar os episódios de compulsão alimentar, uma medida simples é a redução semanal de calorias, na ordem de 50 – 100 calorias parece ser uma boa intervenção não refletindo sobre a sensação da fome.

FATORES INTESTINAIS

Os alimentos quando estão no trato gastrointestinal (TGI) sempre fara alguma regulação sobre o apetite e regulação energética.  O TGI possui diferentes tipos de células que possuem respostas distintas aos alimentos e, essas respostas atuam em conjunto, através de nervos periféricos e receptores, no sistema nervoso central.

Os principais reguladores da fome e saciedade são: CCK (colecistocinina), peptídeo YY (PYY), oxintomodulina (OXM) e grelina.

– CCK (colecistocinina): ela é liberada pelas células I do TGI em reposta a ingestão de gordura e proteína. Possui efeitos sobre: 1) saciedade pós-prandial (depois da refeição) 2) induz secreção pancreática 3) induz secreção biliar 4) contração vesicular.

– PYY (peptídeo YY): a regulação da saciedade se dá ao nível do SNC, sendo ele secretado pela mucosa intestinal. O fato curioso é que pacientes obesos apresentam quantidades menores desse peptídeo pós-prandial noturno, aumentando consideravelmente a ingestão calórica nesse período.

– OXM (oxintomodulina): é um regulador da fome (de curto prazo), sendo liberada pela porção distal do intestino. Os outros efeitos são: diminuição da ingestão calórica e da grelina.

– Grelina: é um dos principais responsáveis pelo início da ingesta alimentar, apresentando nível elevado em jejum e antes das refeições (seus níveis sofrem variação dependendo da composição da refeição), e a pós a alimentação seu nível cai significativamente.

CONSLUSÃO

Quando é necessário fazer a diminuição do peso (gordura) corporal, é necessário pensar além da restrição calórica. A manipulação dos neurotransmissores e hormônios através da alimentação é um elemento-chave no processo de emagrecimento, pois são eles que sinalizam os períodos de fome e saciedade. Nesse sentido condutas que visam o longo prazo são mais eficazes, pois permite que o corpo possa se ajustar, fazendo com que a percepção da fome seja diminuta.  Por isso abordagem como exposta anteriormente (leves reduções calóricas) demonstram ser eficiente, sendo que o nutricionista precisa saber quando fazer as manipulações dietéticas necessárias, de modo a manter o metabolismo do paciente sempre acelerado (claramente é subjetivo, cada paciente há de responder diferente). Diante de tudo que foi exposto é evidente o porquê as dietas em curto prazo (que prometem grades perdas de peso) não são sustentáveis, e ainda permitem um reganho do peso, através do feedback negativo, aumentando consideravelmente os hormônios e peptídeos responsáveis pela fome.

Não importa o quanto de peso você precisa perder, a diminuição do peso (gordura) corporal é uma maratona e não uma prova de “100 metros”. A consistência sempre será a melhor dieta.

 

REFERÊNCIA

HALPERN, Zuleika SC; RODRIGUES, Mariana Del Bosco; COSTA, RF da. Determinantes fisiológicos do controle do peso e apetite. Revista de psiquiatria clinica, v. 31, n. 4, p. 150-153, 2004.

 

JÚNIOR, José Donato; PEDROSA, Rogerio Graça; TIRAPEGUI, Julio. Aspectos atuais da regulação do peso corporal: ação da leptina no desequilíbrio energético. Revista Brasileira de Ciências Farmacêuticas, v. 40, n. 3, p. 273-287, 2004.

 

LANDEIRO, Fernanda Montero; DE CASTRO QUARANTINI, Lucas. Obesidade: controle neural e hormonal do comportamento alimentar. Revista de Ciências Médicas e Biológicas, v. 10, n. 3, p. 236-245, 2011.

 

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